sexta-feira, 28 de dezembro de 2012


Hora do almoço, uma cerveja, sem blues.
É sexta-feira. Dia  de espremer das horas a maior produtividade possível.
É a última do ano. O mundo continua sua translação. Nada acabou. A não ser a semana que está com hora marcada.
O sol de cozer anuncia o fim do primeiro expediente e no carro a gente pensa... a vista é a praia e na cabeça uma tristeza sem fundamento inunda o cheiro do ar condicionado.
Penso numa cerveja e a fome aperta. Lembro que a vida trás de presente uma das maiores utilidades dos colegas de trabalho, que compartilham os mesmos vícios: a chegância pela companhia de mesa de bar.
Posso contar nos dedos de uma mão as vezes que me permiti tamanho disparate corporativo. Como boa RH que tento ser, exemplo de sobriedade. Às favas, meu amigo. Como o estatus civil não me permite outros deleites dignos do dia (há os que dizem localmente que é o “da madeirada”), invoco a gelada!
E os companheiros (sim, homens, claro!), estão firmes à espera. Sequer ousam titubear ao ouvirem a frase-cumprimento: Vamos onde tem cerveja.
E no Bairro do Recife, berço de nossa Cidade, onde mais eu poderia ir parar? Quem conhece a autoria sem juízo sabe....
As portas do bom e velho Burburinho são discretas, mas sempre abertas.
Entramos sem cerimonia, como há de ser nessa casa sagrada, sentamos embaixo do ventilador, pois a gelada por sí só não dá conta do solstício Recifense, e nem o cardápio se fez necessário. Desce ela, a verdinha!
Outra utilidade das amizades masculinas, além da clássica conversa sem pormenores ou arestas, é a de ausentar necessidade de iniciativa por parte de nós mulheres. Os copos chegaram tinindo e mais sedentos que os dois mosqueteiros e a dama.
Não há dúvidas que a semana aguarda por esse brinde de sexta-feira. Os copos saludam, as gargantas tremem e o coração palpita de ansiedade. E desce o primeiro copo. Inteiro, ininterrupto, irretocável.
O Blues, prata da casa, descansava para a noite, mas juro que lá no fundo pude ouvir a guitarra de Morcegão chorando de alegria pelo êxtase dos três colegas labutadores. As guitarras melhor que qualquer coisa, sabem o quanto merecem uma gelada nós que suamos a semana inteira em troca do trocado.
 As paredes, os quadros, as mesas, todas as mesmas que guardam tantos segredos dessa autoria outrora bohemia, pareciam não estranhar. Afinal, o semblante era o mesmo, apenas o relógio marcava um outro expediente. As conversas, inebriantes como as das noites mais farristas. Mas a comida restringiu-se às poucas calorias, pois ir além é querer demais. É fim de ano e o feriadão reserva ainda uma pá de exageros.
E quem, em sã consciência pensaria em voltar ao trabalho?! Vamos então fazer aquela hora....fingir que não se vê o relógio. Espreguiçar a barriga cheia e procurar um café expressamente forte.
É, mas há de se deixar a cota mínima de 3 verdinhas, uma para cada um. E dizer até logo.
Sexta-feira não nos dá o luxo de não ter segundo expediente.
Mas o ano está apenas por. Cheio delas. Sem cerimônias, com horário de almoço. Com ou sem blues.
Andrea Campelo
28/12/12

Lua Cheia



Imensa nesta noite ela paira
Na bruma negra, despreza tudo e todos
Mostra-se, exibe-se
Imoral e indiferente.
Brilha de um amarelo lascivo e intenso
É de toda a criação talvez a única coisa
Que dispensa  sons.
Usa o silencio de sua plenitude
E me desperta.
Deito e a vejo
Ela reflete toda
No escuro, sua luz em mim, inteira
Faz-me nua.
E entra pelos poros, completa
Faz-me escrava e me guia, possui.
Não me sinto mulher
Sou só desejo
Em vísceras, puro,
Sinto doer a pele
Umedecer o ventre
Vibrar os quadris
Ela me trás de volta o que não tive
O que matei.
Em minha mente a ausência total de pudor
E o amor quieto, fica longe
Sou só luxúria
Fúria que morde e sangra os lábios.
Seu brilho cega
E fomenta minha fantasia
Que retoma as mãos que não tive
E me toco
Não para ele, mas para a promíscua celeste
Dona da noite.
A imagem é dele
Mas ela me move, me leva
A ferida dos lábios é doce, escorre
É, nessa hora, o gosto daquela saliva
Da pele, do corpo inteiro dele.
Mas é ela que está dentro de mim.
Perco o controle
Sucumbo
Sem amarras
Gemo contido, breve
Só ela me ouve
Plateia única, indiferente
E me derramo.
Explodo, pulso.
Ela cobre-se de nuvens.
Eu respiro.
Mulher.
Imoral.

Sinto sangue na boca.
Andrea Campelo
28/12/12

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Era uma vez, no tempo da delicadeza....
Um monte de braços estendidos, sorrisos expostos e abraços distribuídos.
As palavras, coisas sérias. Proferidas com cuidado e esmero.
Os amores nasciam antes dos toques e as amizades vividas em carinho e com o compromisso de fazer sorrir e de se guardar o respeito.
Nas ruas o ar era leve e os abraços soltos e inocentes até onde o desejo mútuo e conhecido se fizesse falar e ouvir.
Eu vivi esse tempo.
Fui menina de aprender a escrever cartas à mão, com “Querido” em cabeçalho e “Todo Amor” de assinatura.
Fui pedida em namoro. Chorei no primeiro beijo.
Recebi flores.
Tomei cuidado para não machucar com a palavra dita, pois me disseram que ela não voltava atrás.
Chamei os sogros de Sr. e Dona e dei presentes nos aniversários.
Enviei cartões incontáveis! Aos amigos que deixei, aos amores que senti. Aos parentes que não escolhi. Distribuía cartões postais e colocava nos correios das ruas por onde passei.
Mandei telegramas de pesar e pedi convites das formaturas que não iria frequentar. Queria apenas guardar.
Era a “beijoqueira”! Vivia de abraços e afagos.
Tive pai que ao chegar em casa beijava na testa todas suas menininhas, se deitava na cama e pedia coceirinha, beijava a ventinha e fazia musiquinha.
Assisti a filmes de terror agarrada, sendo beijada no cangote pra ver se acalmava e indo ser deixada em casa, na porta, bem guardada.
Cheguei à aurora dos trinta e de repente vi tudo sem cores.
O ar ganhou peso.
Os braços, nas ruas, guardados.
As palavras parecem esperar por algo que as faça valer a pena, mas sem cuidado.
É um novo tempo.
O tempo do sarcasmo.
O que se espera encontrar deixou de ser uma forma de agradar e fazer bem,
E passou a ser um motivo para arrancar risadas pobres.
E o afago foi trocado pelo chiste, onde todos esperam pela gozação proferida, de algo que encontraram em cada um, para tirar  atenção de sí mesmo.
A coragem de ser terno deu lugar ao status de ser emocionalmente contido e comicamente bem colocado.
O escracho in-comedido é a bola da vez. Entre amigos, amores, amantes e palco.
Vi certa vez, famoso comediante gritar toda espécie de palavrão, olhar uma mulher na plateia e dizer em mais alto tom que se ela estivesse desaprovando a performance, que levasse “no seu...”.
E os aplausos ecoaram.
Eu por mim, continuo naquela era leve.
Ainda escrevo a mão.
Ainda mando cartões com cabeçalho e assinatura
Ainda sou de afagos, perdidamente indescriminativos quanto ao status da relação. Mas não aleatórios.
A delicadeza sincera jamais é aleatória. Ou desnecessária.
O sarcasmo sim.
E é uma pena se viver na era dodesnecessário.
Mas eu continuo  a ouvir Chico Buarque...
Talvez não mais no tempo da delicadeza, onde não digo nada, nada aconteceu.
Apenas seguirei, como encantada, ao lado meu.
Andrea Campelo
20/12/12

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


Depois de toda dança estelar,
Da fúria cósmica
E do perigo do cataclisma universal...
O mar acalma.
A chuva para.
O sangue flui
E a vida começa a volta ao seu lugar.

A cada minuto que passa as lembranças começam, enfim, a vestirem-se de lembranças.
E em mim renasce um conhecido desejo que criar novas delas.

E enquanto ao “não dito”?
Não foi minha culpa...
Jamais dei ao destino o argumento de não ter tentado.
Andrea Campelo
17/12/12

sábado, 15 de dezembro de 2012


Amor Vão
Sabes tu, energúmeno, que o primeiro pensamento de meu dia é teu?
Podes sentir os arrepios de minha pele ao abrir os olhos e desejar tuas mãos?
Escutas a raiva de meus dentes rangendo ao pensar em esquecer-te?

Tens ideia do quanto me persegues?
És meu tormento, não vês?
Meu inferno e desespero.

Ignorante em tudo, segues nessa estupidez plácida
E eu te olho triste, calada.
Ao menos meu silêncio podes entender?
Tens a mínima noção do quanto ele grita?
Sim tens.
Entendes.
Vês.
Escutas.
Sentes.
Sabes.

E permaneces plácido.
Energúmena sou eu.

Não me amas.
Andrea Campelo
15/12/12


Samba do amor que morre
Ah que amar calada é triste...
É apertar os olhos na agonia do peito
Que chora...chora...

Ah que ter saudade é bonito...
Pinta imagens das lembranças
Revive os momentos e sorrisos...

Ah que vem de repente, uma vontade de chorar...
Quando se pensa que o amor tem que morrer
Pois já não hã o que se fazer...

Ah e se quer ficar...
E se deseja o meu amor mudar
Fazer ele também amar...

Ah e não tem jeito que se dê no coração que fica
A não ser deixar chorar...lembrar...
Até a saudade cansar e dormir.
E o amor morrer.

Ah mais vai demorar...
Até eu deixar de te amar.
Andrea Campelo
15/12/12

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

 
Leão

A pele dourada, quente.
O cheiro presente, ardente.
O sorriso novo, limpo.

A voz de sorrisos,
Os gestos violentos, precisos.
O domínio, o mando.

O amor instintivo
As mordidas doloridas
A explosão fascinante
A presença inebriante.

Os dias a grunir
O coração a pedir
O animal a confundir.

A saudade a ferir.

Andrea Campelo Peixoto
27/05/10

Um presente dado pelo Zinca, porto meu.

O Pássaro

Na doçura de um fim da tarde,
Ouvi o canto do pássaro,
Julguei o melhor de todos,
Na verdade era.

No auge de minha mocidade,
louco me comportei
Desejei bastante aquele pássaro
Agi como ladrão e de seu dono roubei.

Seu canto, em meu corpo ecoava,
Sua liberdade inveja me causava,
Sua insanidade meu ego alimentava.

Já não sabia mais quem eu era.
Não sabia mais quem era ele.

Seria eu um pássaro?

Triste fiquei,
Quando em sua gaiola
Eu não mais o avistei.

Livre ele sempre foi,
Mas já era um pedaço de mim,
E fez muita falta.

O pássaro voou, voou, voou
esta seca não era seu lugar,
e em sua longa jornada,
até o terreno da liberdade ele escolheu pra morar.

A léguas eu estava,
Acostumei-me com a solidão,
Por maior que fosse a multidão,
De seu canto sempre lembrava.

Passado muito tempo,
Meio distraído escutei
Aquele canto novamente.

Sorriso nos lábios, alegria no olhar
Felicidade.

Suas penas continuavam lindas
E seu canto hoje melhor ainda
Liberdade.

Grandes tardes lhe ouvindo
Longas noites conversando
Aprendi até assobiar
Mas nunca aprendi voar.

Ele não era mais meu,
Ele não sabia, mas dele era eu,
Por mais que me esforçasse em novamente tomar-lhe,
Nossas vidas não se completavam.

Hoje o tenho como amigo,
Ele me sorri e isso hoje me basta,
A tristeza me inferniza,
mas se cala.

15/03/2008

A saudade que não é tua

Vieste sem nome
Com cores apenas
Palavras e um jeito de ‘quês” cheio  
Mexestes como de um todo
Em um todo meu
Tiraste,  viraste, prometestes
Desgastastes Chateastes, perturbastes  
Enfim, despertaste em mim as promessas mais mal vindas
E mais desejadas
E quando me mostrastes teu nome
Teu signo e tua seca
Ficaste longe, tão perto  
E te tornaste o previsível dos homens

Hoje, tédio é o sobrenome que derramaste
Num universo que começou tão infinito  
E a mim nada trazes
Apenas uma falta
Que não é tua, não é de ti  
Uma saudade
De um infinito perdido

Não de ti.  
Andrea Campelo Peixoto
26/08/10
Oh dia! deixa-me em paz hoje! Volta essa tua luz cansativa ao outro lado do mundo e me trás novamente o brilho da noite.

Ah noite... em ti vivo e contigo espero. Pelo começo de todas as coisas.

14/12/12

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


Desperta meu amor, vem.
Abre-me teus braços, enlaqça-me, devora-me.
Teu amor me alimenta,
Me ilumina.
Leva-me amor, mostra-me meu sonho
Se cada segundo desse instante for mágico
Rezemos pela eternidade.
Seja sempre meu amor, meu encanto...
Desperta, vem, leva-me.
Andrea Campelo
09/10/00

Anjo, Príncipe meu
Não escrevi sobre você.
Teria por que?
Palavras apenas soltas pelo ar.
Quisera eu poder te falar.

As noites não são mais as mesmas
Depois que te beijei.
O mar mudou seu balanço
No momento em que nele minhas lágrimas derramei.

Oh Porto Seguro querida...
Porque tanta magia em tuas noites,
Tanta alegria em teus dias?
Imensa tristeza na partida
Mostra-me o caminho só de ida.

Ah anjo encantado que tão longe estás
Acorda-me para meus sonhos e leva-me onde vais.
Numa noite de agonias roubaste meu olhar.
Adormece-me para a realidade, lugar onde não posso mais ficar.

Se não podes deste triste mundo, enfim, me tirar
Anjo, torna-te meu Príncipe e põe-te a viajar.
Busca meus braços, que com certeza abertos vão estar
Esperando pelo dia em que em seu cavalo branco, virás me buscar.

Se pelo destino não podermos nosso amor consumar
Não deixes, menino, amado meu, de Porto Seguro lembrar.
E a saudade, de tão imensa, há de me aniquilar.
Não deixarei, todavia, de meu Príncipe lembrar.

Daquela noite lembrar
Eternizar
Enfim, de te amar.
Andrea campelo
09/08/99

Por que?
Ao cair da noite vejo-me a banhar o luar...
Lágrimas limpam, molham a reinha de minh’alma.
Em meu coração, porém, a noite cai escura,
Sombria, sádica, límpida...perfeita.

Lágrimas empedrecem este coração
Por que?
Quem era luz, dia, vivacidade (por que?)
Tornou-se romântica de 2ª geração – Álvares de Azevedo
Por que?
Oh dona dos meus sonhos...
Por tal surpresa me pegaste:
Imensa paixão me mostraste
E de minhas mãos a tiraste
Por que?
Nem ao menos avisaste e por fim,
Te tornaste a solidão de meus sonhos,
Pesar de meus dias.
Por que?
Porque me tornaste assim tão vazia?
Andrea Campelo
1997

No fim dos tempos
Sempre soube a imensidão do meu amor.
Acalmou-se minh’alma no momento em que descobriu:
Mesmo que eu esteja em todos os lugares,
Apenas um me pertence.
Mesmo que passe por todas as estradas,
Só serei levada a um destino.
Mesmo que eu ande por todos os caminhos,
Estarei no mesmo rumo.
Mesmo que meus olhos se percam
Haverá sempre a certeza de onde encontra-los.
Mesmo que eu de voltas por todo o mundo,
Voltarei sempre ao mesmo ponto.

Mesmo que a incerteza esteja presente em meus lábios,
Sabes desvendar meus olhos.
Mesmo que um dia caia eu na ilusão
De querer esquecer-te
Um segundo será a presença da eternidade
Para voltar-me à razão: amo-te além de mim.

O medo, desfez-se enfim
Descobri:
Mesmo que vivesse mil vidas
Em todas te amaria.
Mesmo que em nenhuma delas te encontrasse
Além de teria.
No infinito te esperaria.
No fim, tua seria.
E nessa hora, fim dos tempos,
Seria o início de uma existência.
Eu viveria...
...seríamos um só.
Andrea Campelo
1996

Ao meu Filho
Amo-te de um amor tão louco,
Que sem te ver te desejo.
Quero-te de um querer tão intenso,
Que até em meus sonhos
Sufoco meu sentimento e sofro por tí.

Em meu peito guardo um fogo incontrolével,
Mais poderoso que todas as forças.
É maremoto, é terremoto, é tempestade,
É erupção...é geada.

Ao meu Filho dedico minha vida,
Minha alma.
Por ele renuncio a mim mesma
E o entrego todos os meus sonhos.
Por ele respiro, insisto em dar continuidade
A dias tão vazios.
Só não o são mais pela simples lembrança
De um certo verão.

É a esperança de reviver – mais uma vez
E sentir – mais uma vez
O doce gosto do meu único amor,
Que me dá forças e me mantém “viva”.

Ao meu Filho pergunto:
Como posso viver longe de ti?
Como vivo?
Vivo?

Ao destino pergunto:
Guardas um lugar para meu amor
Ainda nesta vida?
Tanta espera terá recompensa?

Ao meu Filho dedico meus sonhos
Lugar onde temos um encontro marcado.
Onde poderemos estar enfim juntos,
Sem distância, sem sofrer.
Onde poderemos voltar a ser um só
E não serei mais tão sozinha.

Ao meu Filho entrego os meus braços
Para que nos dele possa morrer
- mais que de repente –
De imenso amar.

Ao meu Filho dedico a eternidade
Onde estarei a espera-lo.
E assim o verão será eterno
E meus olhos serão os teus
- não mais que de repente -.
Andrea Campelo
1996

Distância
Distância consome tempos,
Consome alegrias causando dores.
Consome olhos pela ausência dos outros fechados.
Consome a alma, tempos, tempos, tempos...
Consome a vida.
Andrea Campelo
1998


As cinco primaveras

É de ti que toda a falta é mãe,
Meu pai.

E o tempo, cercado em sua onipotência,
Faz-se indiferente.
Passa despretensioso e humilde. Quase nada leva consigo.

Na quinta primavera sem ti, assim como na primeira, o dia é cinza e no ar paira tudo que o tempo não teve interesse em levar. Ou paira em mim.
O grito clemente por tua voz. Pelo sentir do timbre. Do cheiro que ela exalava. Por mais cinco segundos, não anos.
A vontade estrupícia de ter, da nova fé que me nasceu, uma notícia tua que fosse para tirar-me, enfim, o maior medo. O monstro que rasga o peito desde que vi teus olhos fechados: o medo de nos esqueceres.

Eu sou tão você, tão forte e profundamente. Sinto os traços, os genes, as lembranças. Mas e você, meu melhor amigo do mundo, será ainda eu, nós?
Seja meu pai....por favor...seja.
As cinco primaveras moveram tanto, mas deixaram inertes o mesmo pedido, na lágrima ácida e urgente: não esquece desse amor. Onde estejas e para onde fores. Promete-me homem, responde-me! Preciso pensar que o tens em ti, para nós. Preciso ter a certeza dele em ti, como ele é certo em mim de sempre, para sempre.

Como é certo este amanhecer cinza.
Como é certo o passar indiferente do tempo humilde.
Como é certa a falta.
Como é certo esse amor, meu pai.

Andrea Campelo
09/10/11


Gênesis
No princípio era apenas o verbo. 
Eu ali pairava sozinha por sobre as águas.
E então houve luz. Jogaram-me nela.
Disseram depois, que a deste a mim. Verdade.
Deste-me a luz. E por aí não paraste.
Por tua mão meu universo se fez.
Moldaste o sono, a fome. Curaste as doenças. Plantaste o sorriso. Multiplicaste os pães.
Invocaste a música e o pensar.
Fundamentaste, ergueste. Iluminaste.
A vida, então, formou-se e seguiu seu rumo.
Deste asas a criação da qual cuidaste com suor, sem descansar em sétimo, ou oitavo dia.
Permitisses as incertezas, os perigos e pecados dos mais diversos caminhos.
Não pediste adoração ou sacrifício.
Deixaste tuas portas abertas para a partida e o retorno.
E hoje venho eu, a cria. Filha tua.
Viver o verbo que havia no princípio, antes de todas as coisas.
O verbo que usaste para me criar.
Oue hoje, no teu dia, conjugo para te iluminar.
O verbo, mãe, amar.
Feliz dia das mães.
Andrea Campelo Peixoto
13/05/2012


 O Silencio das primeiras horas
Durante muito tempo ela achava que as horas mais preciosas de seu dia eram as que precediam seu sono.
O momento em que deitava-se, exausta, e enlaçava-se ao cheiro do lençol e ao afago da cama. A promessa do descanso parecia ser a maior recompensa pelo labor e estafa dos seus dias.
Mas aquela manhã mostrara algo novo aquela mente inquieta.
Antes do grito de seu despertador, ela abrira os olhos. Sob as cobertas, inteira, ela sentiu-se do outro lado da janela, para imaginar se ainda era de madrugada. E pela luz que pairava, percebeu serem os primeiros raios de sol.
E então o sentiu: o silencio.
Tirou o cobertor do rosto, não abriu os olhos. E o ouviu.
Imenso. Austero. Sublime.
Em verdade, mal saíra do sono. E sua mente ainda estava quieta.
Ali, seu extase. Que sensação inexplicável aquela que as primeiras horas traziam.
O silencio visceral, austero.
Os primeiros raios de sol.
A mente quieta.
A paz começara a invadi-la, quando piscou os olhos... e os pensamentos mais uma vez invadiram seu mundo.
Lá fora o silencio morria. E as horas passavam.
Andrea Campelo
11/2012

Os olhos abriram no começo de um dia curto
Havia lhe sido tirada uma hora, e era ainda escuro lá fora
E dentro dela.
Aquela cidade lhe trouxe um novo prisma, por onde passava a ver as coisas tão diferentes
 E em outro plano ela se sentia.
A cidade que lhe trazia os quatro climas em um único dia
Dera-lhe além do que poderia esperar.
Não ligou as luzes.
Abriu as cortinas.
Na varanda, sentia criar forma dentro dela a saudade de tudo que a compõe.
Quis voltar, sem querer.
Sentiu que para onde fosse, agora nela algo a mais pairava.
Algo que não ficaria para trás, em um dia curto,
Daquela cidade escura.
Mas que ela levaria em sí, em seu novo plano, sendo parte sua, sem querer.
Em um ponto fora da curva.
Andrea Campelo


Trêmula
Tua beleza desconcerta.
Vê-lo é tentar esconder dos olhos o encanto,
Ouvi-lo é agonizar nos poros o desejo.
Eu tremo desperta.

Da boca exalas meu martírio em cada palavra.
Falas baixo, suave.
Tremo fundo, grave.
E em mim ficas quente, doído em ressalva.

E saio muda, em pedaços.
Sem mais querer vê-lo.
O ventre pulsa, úmido. Chama-o.
Finjo-me ríspida, sem laços.

E em ti sigo:
Desperta
Grave
Ressalva...
Trêmula.
Andrea campelo
07/11/11


                                         

No dia seguinte, ela pensava naquele vento,
Que sem saber soprava em outra praia no mesmo instante em que tocava seu rosto.
Eram naqueles minutos, presos no carro rumo ao trabalho, que todos os pensamentos e nenhuma conclusão lhe chegavam.
Os quilômetros que separavam sua casa e seu sustento não apenas eram seu mergulho musical diário, mas algo indescritivel, que ela mal sabia se a incomodava, ou satisfazia.
Naquela noite teve a catarse primeira, quanto aos emaranhados de ruas que transpassavam seu caminho usual.
Em frente ao mar escuro por sobre o qual pairavam as luzes distantes dos cruzeiros. Em frente a sua mais nova mentora, dois copos de cerveja e necessários tragos de cigarro, ela confessou.
Mal pensara e sua verdade esvaira-lhe.
Pela primeiras vez em um tempo que não sabia contar, os quilômetros, as ruas, os minutos que precediam seu trabalho e que deste retornava para casa, eram todos dele.
Falou uma vez. Pausou.
Repetiu com outros signos, sentiu que precisava. Todo o tempo que não lhe era do labor – onde encontrava sentido -, pertencia unicamente a ele.
Encontrou comoção nos olhos que a ouviam ao contar do impossível, do elo infanto-juvenil que reaparecera em algum lugar do presente.
E não fazia idéia então, ao fechar os olhos, que aquele vento que lhe soprava o rosto era um só, mas que tocava duas praias naquela noite.
E na manha seguinte despertou, enfim ciente: o vento não era só seu, e as horas seriam só dele.
Andrea campelo
12/12/12

O alívio de voltar a ter onde escrever. Pareço sossegar, por hora. :)