quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Era uma vez, no tempo da delicadeza....
Um monte de braços estendidos, sorrisos expostos e abraços distribuídos.
As palavras, coisas sérias. Proferidas com cuidado e esmero.
Os amores nasciam antes dos toques e as amizades vividas em carinho e com o compromisso de fazer sorrir e de se guardar o respeito.
Nas ruas o ar era leve e os abraços soltos e inocentes até onde o desejo mútuo e conhecido se fizesse falar e ouvir.
Eu vivi esse tempo.
Fui menina de aprender a escrever cartas à mão, com “Querido” em cabeçalho e “Todo Amor” de assinatura.
Fui pedida em namoro. Chorei no primeiro beijo.
Recebi flores.
Tomei cuidado para não machucar com a palavra dita, pois me disseram que ela não voltava atrás.
Chamei os sogros de Sr. e Dona e dei presentes nos aniversários.
Enviei cartões incontáveis! Aos amigos que deixei, aos amores que senti. Aos parentes que não escolhi. Distribuía cartões postais e colocava nos correios das ruas por onde passei.
Mandei telegramas de pesar e pedi convites das formaturas que não iria frequentar. Queria apenas guardar.
Era a “beijoqueira”! Vivia de abraços e afagos.
Tive pai que ao chegar em casa beijava na testa todas suas menininhas, se deitava na cama e pedia coceirinha, beijava a ventinha e fazia musiquinha.
Assisti a filmes de terror agarrada, sendo beijada no cangote pra ver se acalmava e indo ser deixada em casa, na porta, bem guardada.
Cheguei à aurora dos trinta e de repente vi tudo sem cores.
O ar ganhou peso.
Os braços, nas ruas, guardados.
As palavras parecem esperar por algo que as faça valer a pena, mas sem cuidado.
É um novo tempo.
O tempo do sarcasmo.
O que se espera encontrar deixou de ser uma forma de agradar e fazer bem,
E passou a ser um motivo para arrancar risadas pobres.
E o afago foi trocado pelo chiste, onde todos esperam pela gozação proferida, de algo que encontraram em cada um, para tirar  atenção de sí mesmo.
A coragem de ser terno deu lugar ao status de ser emocionalmente contido e comicamente bem colocado.
O escracho in-comedido é a bola da vez. Entre amigos, amores, amantes e palco.
Vi certa vez, famoso comediante gritar toda espécie de palavrão, olhar uma mulher na plateia e dizer em mais alto tom que se ela estivesse desaprovando a performance, que levasse “no seu...”.
E os aplausos ecoaram.
Eu por mim, continuo naquela era leve.
Ainda escrevo a mão.
Ainda mando cartões com cabeçalho e assinatura
Ainda sou de afagos, perdidamente indescriminativos quanto ao status da relação. Mas não aleatórios.
A delicadeza sincera jamais é aleatória. Ou desnecessária.
O sarcasmo sim.
E é uma pena se viver na era dodesnecessário.
Mas eu continuo  a ouvir Chico Buarque...
Talvez não mais no tempo da delicadeza, onde não digo nada, nada aconteceu.
Apenas seguirei, como encantada, ao lado meu.
Andrea Campelo
20/12/12

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